O presidente da Associação Portuguesa de Bioética (APB), Rui Nunes, lamenta a pressa legislativa que levou hoje o Parlamento a aprovar a lei da eutanásia. “Um tema tão fraturante como a eutanásia exige estabilidade legislativa, isto é, que outra maioria parlamentar no futuro não venha reverter esta evolução”, salienta o professor catedrático que tem sido um dos principais defensores da realização de um referendo sobre esta matéria.
Rui Nunes lamenta ainda que toda a pressa legislativa em torno da votação desta matéria, depois de chumbada uma primeira vez pelo Tribunal Constitucional, não tenha levado a um debate aberto e plural. “Era fundamental auscultar-se, entre outros organismos, o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, para que possam pronunciar-se sobre a legislação que está em debate”, diz, ao mesmo tempo que salienta que “assim se constrói a democracia”.
No entender do presidente da APB, e sem pôr em causa a legitimidade legislativa da Assembleia da República, “seria mais prudente que este processo decorresse com a serenidade que uma proposta destas aconselha”. Desde logo, frisa, porque “estamos a legislar sobre a vida e a morte, e sobre pessoas em momentos dramáticos das suas vidas”. “Estamos a falar de pessoas num estado de fraqueza e vulnerabilidade muito grande, como são os doentes crónicos, terminais ou incuráveis”, recorda Rui Nunes, asseverando que, também por isso, “não pode existir qualquer sobressalto legislativo”.
Recorde-se que o professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto defende, desde 2008, “que se efetuasse um referendo sobre a despenalização da eutanásia e da assistência médica ao suicídio, isto é, da morte medicamente assistida”. “Este tema é suficiente complexo, profundo e disruptivo para merecer uma apreciação detalhada e esclarecida por parte de toda a população. E não apenas dos deputados”, salienta Rui Nunes, que sublinha ser fundamental “que a população portuguesa conheça em rigor o que se entende por eutanásia, o que a distingue de assistência médica ao suicídio, em que situações é que se trata de um ato voluntário por parte do doente e qual a posição da medicina neste contexto”.
Médico de formação, o presidente da APB recorda que o tema é polémico mesmo entre os profissionais de saúde envolvidos na aplicação da eutanásia, pelo que “importa esclarecer, com a necessária tranquilidade, alguns aspetos logísticos relacionados com esta prática, desde logo no sistema de saúde, e o modo como o Serviço Nacional de Saúde se deverá adaptar a esta nova realidade”.
Rui Nunes apela a que, “apesar de cada pessoa ter o irredutível direito de exercer a sua liberdade pessoal, se assegure que não se está a abrir a porta a práticas involuntárias de eutanásia, como a morte assistida de crianças ou de pessoas com problemas mentais”.