A relação entre o intestino e a obesidade está a ganhar cada vez mais relevância na investigação científica. Segundo Conceição Calhau, Professora Catedrática da NOVA Medical School e investigadora do CINTESIS, o tratamento da obesidade deve ser personalizado e considerar fatores genéticos, ambientais e a microbiota intestinal. Estudos recentes indicam que certas bactérias intestinais podem desempenhar um papel fundamental na regulação do apetite e na perda de peso.
A obesidade, uma das principais preocupações de saúde a nível mundial, não é uma condição única, mas um conjunto de desordens com diferentes causas e manifestações. “Embora tenha como fator comum a adiposidade, os mecanismos subjacentes variam: desde alterações na saciedade até inflamação crónica, resistência à insulina ou metabolismo dos lípidos”, explica Conceição Calhau, sublinhando a importância de um tratamento que considere a genética, o metabolismo e a microbiota de cada paciente.
De acordo com o estudo *O Custo e a Carga do Excesso de Peso e Obesidade em Portugal*, mais de 67% da população adulta portuguesa tem excesso de peso ou obesidade, sendo que a prevalência da obesidade atinge os 28,7%. Esta condição representa um custo direto de 1,2 mil milhões de euros anuais, o que corresponde a 0,6% do PIB nacional e 6% das despesas totais em saúde.
Para além das opções atuais de tratamento, como a cirurgia bariátrica e as terapêuticas farmacológicas, a investigação tem destacado a microbiota intestinal como um fator determinante na regulação do peso. Estudos demonstram que a composição bacteriana do intestino difere entre pessoas com obesidade e aquelas com peso saudável, afetando diretamente processos como a regulação do apetite, o armazenamento de gordura e a absorção de nutrientes.
Entre as descobertas mais recentes, a bactéria *Hafnia alvei* tem despertado interesse na comunidade científica. Esta bactéria produz ClpB, uma proteína que imita o neurotransmissor alfa-MSH, envolvido no mecanismo de saciedade. Ensaios clínicos sugerem que a suplementação com *Hafnia alvei* pode reduzir a ingestão alimentar e estimular a lipólise, facilitando a perda de peso.
A alimentação é um fator essencial na modulação da microbiota intestinal, e a dieta mediterrânica destaca-se pelos seus benefícios. “Perdemos o hábito de ingerir regularmente leguminosas, hortícolas, oleaginosas e peixe, o que compromete a diversidade da microbiota”, alerta Conceição Calhau. Para a investigadora, a adoção de hábitos saudáveis, como uma alimentação equilibrada, exercício físico, sono adequado e gestão do stresse, são fundamentais para manter um microbioma intestinal saudável.
No entanto, a especialista adverte que nem todos os suplementos probióticos são eficazes. “Não basta ler ‘probiótico’ num rótulo e assumir que faz bem. Apenas os que são cientificamente testados devem ser utilizados”, explica. Além disso, recomenda-se a toma de probióticos adequados sempre que se recorre a antibióticos, para evitar danos nas bactérias benéficas do intestino.
A investigação sobre a relação entre a microbiota e a obesidade continua a avançar, com algumas abordagens promissoras, como o transplante de microbiota fecal, ainda em fase experimental. Conceição Calhau conclui que, apesar dos avanços nas terapias farmacológicas, a intervenção eficaz na obesidade deve integrar múltiplos fatores, onde o intestino assume um papel central.