De acordo com um inquérito que envolveu sete países, o primeiro do Observatório Internacional das Microbiotas, os portugueses estão entre os que menos conhecem o termo microbiota, mas este cenário inverte-se quando se substitui esta palavra por “flora”. E alcançam a liderança quando se pergunta se já ouviram falar em flora intestinal.
O inquérito, que assinala hoje o Dia Mundial do Microbioma, abrangeu sete países (França, Espanha, Portugal, Estados Unidos, Brasil, México e China), com uma amostra de 6500 pessoas. O objetivo foi avaliar o conhecimento sobre o papel da microbiota na saúde, não só por parte da população, como dos profissionais de saúde.
A microbiota é constituída por milhares de milhões de microrganismos (bactérias, vírus, fungos, etc.) que vivem em simbiose no nosso corpo. Temos não só uma microbiota (flora) intestinal, mas também uma microbiota na pele, na boca, nos pulmões, no trato urinário e vaginal, etc. No entanto, a maioria dos inquiridos não sabe que algumas doenças não digestivas, como Parkinson, Alzheimer e autismo, podem estar relacionadas com a microbiota (75%).
Um baixo nível de conhecimento sobre o papel da microbiota na saúde
Apenas 1 em cada 5 pessoas afirma saber o significado exato do termo microbiota (21%). A microbiota intestinal continua a ser a mais conhecida, com 53% dos inquiridos familiarizados com o termo, mas apenas 24% afirmam saber exatamente o que é. Outras microbiotas são muito menos conhecidas, como a microbiota vaginal (45% dos entrevistados conhecem o termo, mas apenas 18% sabem exatamente o que é), a microbiota oral (43% conhecem-na pelo nome, mas não mais de 17% sabem o que é) e a microbiota da pele (40% conhecem o termo, mas apenas 15% sabem o que é).
Três em cada quatro entrevistados estão conscientes de que um risco de desequilíbrio da microbiota pode ter consequências importantes para a saúde (75%). 74% dos entrevistados sabem que a alimentação tem consequências importantes no equilíbrio da nossa microbiota e 72% sabem que a microbiota desempenha um papel real nos mecanismos imunitários de defesa.
Porém, mais de uma em cada três pessoas não sabe que os antibióticos têm um impacto sobre a nossa microbiota (34%). A grande maioria dos inquiridos não sabe que certas doenças não digestivas, como Parkinson, Alzheimer e autismo, podem estar ligadas à microbiota (75%).
E uma consciência tímida dos comportamentos “corretos” a adotar para cuidar da microbiota
Os portugueses estão conscientes da necessidade de adotar uma alimentação equilibrada (84%), de praticar exercício físico (76%) e de evitar fumar (72%) para se manterem com boa saúde e, por dedução, de que estes comportamentos têm um impacto favorável na microbiota.
No entanto, quando se trata de comportamentos mais específicos, o nível de conhecimentos cai: apenas 1 em cada 3 pessoas sabe que é melhor não se lavar mais de duas vezes por dia para preservar a microbiota da pele (35%). Menos de 1 em cada 2 mulheres sabe que deve evitar o duche vaginal porque é prejudicial para a microbiota da região íntima feminina (42%).
Mais de 1 em cada 2 pessoas afirma ter adotado comportamentos na sua vida quotidiana para manter o equilíbrio da microbiota (57%).
É preciso reconhecer esta nova consciencialização, embora deva também ser relativizada. Inicialmente porque apenas 1 pessoa em 7 diz fazer “muito” (15%), as outras dizem, na sua maioria, fazer apenas “um pouco” (42%). Em seguida, porque 43% das pessoas interrogadas dizem não ter adotado nenhum comportamento específico. Os resultados do Observatório Internacional das Microbiotas mostram que ainda existe muito a fazer neste campo.
A microbiota explicada pelos profissionais de saúde: a chave para adotar um bom comportamento
Menos de 1 em cada 2 pacientes afirma que o seu médico já lhe explicou como manter uma microbiota equilibrada (44%, mas apenas a 19% isso já foi explicado mais do que uma vez). Apenas uma minoria dos entrevistados declarou ter sido sensibilizado pelo seu médico sobre a importância de ter uma microbiota bem equilibrada (42%). Apenas 1 em cada 3 pessoas afirma que o seu médico já lhes ensinou o que é a microbiota e para que serve (37%).
A informação fornecida pelos médicos aquando da prescrição de antibióticos ilustra claramente até que ponto essa informação ainda é insuficiente. Menos de 1 em cada 2 pacientes afirma ter sido informado pelo seu médico sobre os riscos de possíveis problemas digestivos associados à utilização de antibióticos (41%). Apenas 1 em cada 3 doentes afirma ter recebido conselhos do profissional de saúde sobre a forma de minimizar o impacto negativo da toma de antibióticos na microbiota (34%), ou ter sido informado de que a toma de antibióticos poderia ter um impacto negativo no equilíbrio da microbiota (33%).
Entretanto, quando um doente recebe repetidamente todas as informações sobre o assunto, a sua relação com a microbiota altera-se significativamente. Mais de 9 em cada 10 pessoas (95%) que receberam repetidamente todas as informações do seu profissional de saúde adotaram posteriormente um comportamento visando manter uma microbiota equilibrada, em comparação com 57% do conjunto das pessoas interrogadas.
Idosos mal informados num momento em que estão mais vulneráveis
Apesar de se encontrarem numa idade em que muitos deles enfrentarão problemas de saúde crescentes relacionados com o envelhecimento, os idosos (pessoas com 60 anos ou mais) são os que menos sabem sobre a microbiota intestinal (20%, menos 4 pontos do que o valor global). São também os que menos adotaram comportamentos para manter a microbiota equilibrada (apenas 50% contra 57% no total).
Mais uma vez, dada esta discrepância, os médicos têm um papel essencial para encorajar os idosos a mudarem o seu comportamento. No entanto, não falam muito sobre estas questões. Apenas 1 em cada 3 idosos já pediu ao seu médico que lhes explicasse como manter o equilíbrio da microbiota (32%, em comparação com 58% dos jovens entre os 25 e 34 anos). 1 em cada 4 idosos afirma já ter recebido explicações sobre o que é a microbiota (26%, em comparação com 50% das pessoas entre os 25 e 34 anos). Há uma necessidade urgente de alterar esta situação.
Os portugueses possuem conhecimentos relativamente bons sobre o papel das microbiotas, mas sabem pouco sobre os probióticos; a maioria ainda faz pouco para garantir o equilíbrio da flora intestinal.
Os portugueses estão mais familiarizados com o termo “flora” do que com o termo “microbiota”. Na verdade, eles fazem parte daqueles que sabem menos sobre o significado preciso do termo “microbiota” (17% contra 21% no total) e foram aqueles que menos ouviram falar da “microbiota intestinal” juntamente com os americanos (45% contra 53% no total). Em contrapartida, eles têm um melhor conhecimento dos termos “flora intestinal” (69% sabem precisamente o que é contra 53% no total) e de “flora vaginal” (58% contra 40% no total) que são, aliás, verdadeiramente conhecidos.
Os portugueses fazem parte daqueles que têm os melhores conhecimentos sobre o papel das microbiotas… A grande maioria sabe que o desequilíbrio das microbiotas pode ter, em certos casos, importantes consequências sobre a saúde (85% contra 75% no total), que a nossa alimentação tem consequências importantes sobre o equilíbrio da nossa microbiota (83% contra 74% no total), que desempenha um papel importante nos mecanismos imunitários de defesa (76% contra 72% no total) ou ainda que a toma de antibióticos tem impacto nas microbiotas (72% contra 66% no total).
…Mas sabem pouco sobre os probióticos e prebióticos: Conhecem-nos mal, apenas 37% sabem exatamente o que são probióticos (em comparação com 43% no total e menos de 1 português em cada 6 (17%) declara saber o que são realmente probióticos (contra 27% no total).
Se a maioria dos portugueses declara ter adotado comportamentos para preservar o equilíbrio das suas microbiotas (58%), a maioria faz apenas “um pouco” (45% contra apenas 13% que dizem “muito”). Assim, eles fazem parte daqueles que conhecem mais sobre a importância de ter uma alimentação equilibrada (89%) e uma atividade física (81%). Entretanto, eles estão entre os menos sensibilizados para a importância de consumir probióticos (51% contra 62% no total) e prebióticos (36 contra 51% no total).
Ao mesmo tempo, os portugueses fazem partes daqueles que partilham menos com os seus profissionais de saúde sobre este assunto. Apenas 32% declaram já terem visto prescrição de probióticos ou prebióticos (contra 46% no total). Apenas uma minoria entre eles considera que lhes explicaram os bons comportamentos a adotar (35% contra 44% no total). Enfim, apenas 1 em cada 4 portugueses já recebeu explicação de para que servem as microbiotas (26% contra 37% no total). Apenas 22% já foram aconselhados a testar as suas microbiotas (contra 30% no total).
Em Portugal, a educação dos pacientes é hoje um desafio essencial para lhes ensinar não apenas o papel da microbiota, mas também os comportamentos a ter para as preservar da melhor forma possível. Esta educação deve passar, em parte, pelos profissionais de saúde.
Para Murielle Escalmel, Diretora do Biocodex Microbiota Institute, “este observatório, o primeiro do seu género, fornece-nos ricos ensinamentos sobre o conhecimento, os comportamentos e as expectativas das populações mundiais em relação às microbiotas humanas. É preciso também salientar o papel fundamental dos profissionais de saúde na sensibilização para aos bons comportamentos de forma a cuidar bem das microbiotas. O inquérito mostra que, a partir do momento em que os pacientes recebem informações dos seus profissionais de saúde, a sua microbiota muda. Melhor ainda, é desencadeado um comportamento virtuoso. Por conseguinte, é necessário dar mais apoio aos profissionais de saúde para garantir que a microbiota faz parte integrante dos cuidados prestados aos doentes”.