As doenças associadas ao papilomavírus humano (HPV) continuam a ser um problema muito grande na saúde pública. À escala global, é o quarto cancro mais comum entre as mulheres e a segunda causa de morte em mulheres com menos de 44 anos. O HPV é um carcinogéneo humano, sendo reconhecido como estando na origem de cerca de 5% de todos os cancros (mais do que o tabaco): quase todos (99,7%) os casos de cancro do colo do útero, 70% dos cancros da vagina e 40% da vulva, 47% dos cancros do pénis, 90% dos cancros anais, até 72% dos cancros da orofaringe e 10% dos cancros da laringe.
Segundo a médica ginecologista e obstetra Cristina Nogueira Silva, do Hospital de Braga, começa por referenciar que morrem anualmente 260 mil mulheres por cancro cervical invasivo, causando danos mais graves em fumadoras, imunodeprimidas e transplantadas. Sendo a infeção sexualmente transmissível mais frequente no mundo, Cristina Nogueira Silva reforça que é necessário estarmos alerta perante esta patologia, explicando que o colo do útero é composto por uma área recetiva à infeção, denominada zona de transformação, na qual as células se mantêm em diferenciação. “O papilomavírus humano infeta as células desta área do colo do útero, às quais acede através de microtraumatismos, nomeadamente durante o ato sexual. A infeção persistente por HPV de tipos denominados de alto risco desempenha um papel crucial na transformação maligna”, esclarece. No entanto, reforça que “o processo de desenvolvimento de doença maligna é lento, o que proporciona oportunidade de intervenção”. Por esta razão “é que é tão importante que as mulheres procurem o seu médico e realizem o rastreio do cancro do colo do útero, que consiste na colheita de células do colo do útero, para pesquisa da presença de HPV e/ou detetar alterações dessas células.
Para além disso, a médica explica que existem mais de 200 tipos diferentes de HPV, sendo vários aqueles que possam desenvolver células cancerígenas, estimando-se que cerca de 75 a 80% das pessoas sexualmente ativas terá um episódio de infeção por HPV durante toda a vida. “A infeção por HPV pode associar-se a doenças benignas, mas potencialmente recidivantes e indutoras de má qualidade de vida e ansiedade, tais como verrugas da orofaringe e condilomas anogenitais, bem como a patologia maligna”, acrescenta a ginecologista Cristina Nogueira Silva.
De acordo com a especialista, “o desenvolvimento de vacinas profiláticas recombinantes contra o HPV revelou-se uma estratégia de prevenção primária eficaz, custo-efetiva e segura, com múltiplos estudos a demonstrarem taxas de seroconversão de 97 a 100% da população vacinada e um claro impacto na redução da carga de doença associada ao HPV”. Sublinha ainda que a vacina nonavalente “apresenta potencial para prevenir 89% dos cancros associados ao HPV e 82% das lesões pré-cancerosas” do colo do útero, vulva, vagina e ânus. “Em Portugal, anualmente, estima-se que 865 mulheres sejam diagnosticadas com cancro do colo do útero e 379 morram, sendo o terceiro cancro mais frequente nas mulheres entre os 15 e os 44 anos”, acrescenta.
Na altura de decidir se se intervém prontamente ou se o melhor será esperar para ver como evolui, a médica defende que a abordagem expectante deve, de facto, ser recomendada em muitos dos casos clínicos. Contudo, reconhece pela sua experiência clínica que o diagnóstico de uma alteração de um teste de rastreio do cancro do colo do útero associa-se a elevados níveis de ansiedade por parte das mulheres, o que, por vezes, dificulta a aceitação da chamada estratégia “wait and see”. Por isso, admite que estratégias de intervenção terapêutica, como produtos de aplicação vagina podem ser utilizados como forma de estimular a natural regeneração dos tecidos e, ao mesmo tempo, diminuir os níveis de ansiedade.
Em resumo, a especialista afirma que a decisão de uma abordagem de vigilância ou de intervenção deve ser analisada caso a caso, ou seja, em função do risco individual de se tornar algo maligno, da evolução da doença e dos níveis de ansiedade da mulher quando confrontada com uma alteração de um teste de rastreio de cancro do colo do útero.